Diplomatas e representantes próximos a setores republicanos dos Estados Unidos, especialmente ligados ao núcleo político do ex-presidente Donald Trump, vêm articulando informalmente com interlocutores brasileiros o acesso irrestrito ao Aeroporto de Fernando de Noronha (SBFN) e à Base Aérea de Natal (BANT), no Rio Grande do Norte. A justificativa utilizada remete a um suposto “direito histórico de retorno operacional”, apoiado em investimentos feitos pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria.
Argumentos semelhantes foram recentemente empregados por defensores trumpistas em relação ao Canal do Panamá, onde passaram a reivindicar que os EUA retomem o controle técnico-operacional da infraestrutura, alegando que foram os responsáveis por sua construção e defesa ao longo do século XX.
No contexto brasileiro, as instalações citadas são consideradas de alto valor geoestratégico. Fernando de Noronha, pela sua posição equatorial, é apontado como ideal para vigilância oceânica de longo alcance e instalação de sensores e equipamentos de inteligência (SIGINT/ELINT). Já a Base Aérea de Natal, que foi utilizada como ponto logístico durante a Segunda Guerra, possui estrutura robusta e localização privilegiada para operações aéreas entre continentes, com capacidade de receber grandes aeronaves como o C-17 Globemaster III e o KC-46 Pegasus.
Esses ativos, se integrados a uma malha maior de bases, como as instaladas na Ilha de Ascensão, São Tomé e Dakar, poderiam ampliar significativamente a presença estratégica dos EUA no Atlântico Sul — região que vem registrando aumento na atividade de potências como China e Rússia, inclusive com navios de pesquisa e pesca de uso duplo.
De acordo com analistas de defesa consultados pelo site DefesaNet, o interesse americano está ancorado em vantagens técnicas para a sua arquitetura de C4ISR (Comando, Controle, Comunicações, Computadores, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento), fundamental para missões de contenção hemisférica.
Fernando de Noronha, por exemplo, pode atuar como base para drones de longo alcance e sistemas de vigilância marítima, enquanto Natal se destaca como hub logístico ideal para reabastecimento, evacuação médica e mobilização de tropas em resposta rápida a crises na África Ocidental, Caribe ou litoral norte da América do Sul.
Fundamentos jurídicos e históricos
A base da argumentação republicana repousa em três pilares:
- Histórico-operacional: Ambas as bases foram utilizadas pelos EUA na Segunda Guerra Mundial com infraestrutura financiada e operada diretamente por forças americanas sob a Lend-Lease Act, que permitia a construção de bases em países aliados.
- Doutrina informal do “direito de retorno funcional”: Essa tese, não reconhecida formalmente no direito internacional, propõe que ativos militares financiados pelos EUA em nações parceiras podem ser reativados com base em acordos tácitos ou históricos, evocando a Doutrina Monroe e a Zona de Defesa do Hemisfério Ocidental.
- Precedentes legais e diplomáticos: Apesar do Acordo de Assistência Militar Brasil-EUA (1952) ter sido encerrado, ele é citado por think tanks como a RAND Corporation como precedente para ações conjuntas. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) de 2019, firmado para viabilizar o uso da Base de Alcântara por americanos, também é usado como exemplo recente de cooperação militar sensível.

Implicações geopolíticas
Na visão de setores estratégicos dos EUA, o uso dessas bases reforçaria um “arco de contenção” no Atlântico Sul, região que não está formalmente sob a alçada da OTAN, mas que tem ganhado atenção em razão da competição sino-russa e do aumento da presença de embarcações com possíveis fins de coleta de dados sensíveis.
Embora não haja, até o momento, nenhum pedido formal ou acordo oficial com o governo brasileiro, a movimentação diplomática evidencia um reposicionamento estratégico dos EUA em áreas antes consideradas secundárias, mas hoje vistas como fundamentais em meio a um cenário global mais disputado.
Fonte: DefesaNet